terça-feira, 11 de maio de 2010

Os Franciscos de ontem e de hoje

Em uma tarde do início do século XI na Itália, enquanto amigos se divertiam a sua volta, Francisco da cidade de Assis, tinha como companheira a solidão e a nostalgia. Na solidão dos campos, meditava acerca da natureza humana e sobre suas próprias fraquezas. Lembrava do seu tempo de guerreiro, porém, queria trocar sua armadura de cavaleiro pela armadura da justiça. Passou de guerreiro a andarilho que se retirava do convívio para refletir e conversar com Deus. Certo dia, em um momento de profunda comoção ao ver uma capelinha já quase destruída, pegou pertences do seu pai e quis usá-los para reconstruí-la. Todos diziam que Francisco havia enlouquecido. Seu pai não se conformava com as atitudes do filho e, diante de tal fato, quis deserdá-lo.

Naquele momento, diante do pai, do bispo e de todo povo, Franciso devolveu tudo, inclusive suas próprias roupas, se colocando nu e dizendo: “Daqui em diante tenho somente um pai, o pai nosso do céu!”.
Foi o dia que o jovem Francisco com 24 anos renunciou todos bens e entregou sua vida para servir ao próximo, convivendo com leprosos, ajudando doentes, confortando os miseráveis e encontrando assim o sentido da vida e a felicidade na pobreza, a qual passou a considerar sua noiva amada assim como do seu Senhor Jesus. Considerava tudo como dádiva de Deus. Convivia em paz com todos, inclusive com os animais e toda natureza, fazendo da vida um grande louvor aquele que a criou.

Séculos mais tarde, no início do século XXI, o jovem Francisco na cidade de Assis no interior de São Paulo, tem como companheiro muitos amigos, mulheres e dinheiro. Com 24 anos, briga com o pai que se recusa a lhe dar de presente o novo carro. Acha injusto passear com os amigos e chegar na balada com um Corsa Sedan tão antigo, do ano de 2003. Já faz um bom tempo que tem como companheira a inveja e a raiva, afinal, por que o pai do amigo que acabou de completar 18 anos conseguiu lhe dar um Mercedes Classe A, e seu pai miserável, não consegue ao menos lhe dar o novo Peugeot? O tédio o consome! Raiva, muita raiva! Já faz seis meses que fez sua última viagem pra Europa, e agora, a vida se resume em fazer faculdade e ouvir as novas ameaças do pai: Chegará um dia que terá de trabalhar para comprar suas coisas!

Assim vivem os Franciscos de hoje. Na ânsia de possuir tudo, não encontram satisfação em nada, e talvez, praticando o contrário descobririam assim como São Franciso, que é justamente no nada que encontra satisfação. É o nada esperar, o nada se considerar dono. Entender tudo como dádiva de Deus, vivendo em contentamento. O tal conflito vivenciado com o pai (que também pode ser lido em outros personagens nos evangelhos e na história cristã), se de um ponto pode parecer uma atitude fria e desprovida de afeto, por outro lado nos remete a necessidade de se lançar na vida, sem mais achar que é obrigação de tais pessoas suprir nossas “necessidades” e carências. Até mesmo na psicanálise proposta por Freud, essa “morte” do pai se faz necessária para construir seu próprio caminho.

Por que sofremos hoje se não pela frustração de não conseguirmos obter tudo aquilo que, nós mesmos, um dia dissemos que precisávamos? Perceba que quase tudo que consideramos como necessidade não a são, e fomos nós quem a criamos. Tenho a infelicidade de ouvir pessoas dizendo que o sofrimento foi reservado para Cristo, e se Ele tomou sobre si todas as nossas dores, hoje devemos usufruir de todos os bens que foram reservados para nós. Essa perspectiva está tão longe das boas novas assim como a terra do sol. Daí vem teorias e teologias mentirosas que contribuem e servem de combustível para o capitalismo desenfreado disfarçado de evangelho. Não entendemos que a vida proposta por Cristo, é que justamente no abrir mão de tudo (que passa a ser nada), para ter o nada (que passa a ser tudo), e onde encontrarmos o verdadeiro valor, que consiste em gestos que nem sempre podemos mensurar, e caso isso fosse possível, nenhum homem conseguiria pagar devido tão alto seria o preço. Tais coisas consiste em virtudes tais como; o amor, a paz, a empatia, a sinceridade, a amizade etc. Quando se possuí tais virtudes, todo o resto é apenas dádiva, recebida com alegria, onde apenas um pedaço de pão pode valer mais que um banquete na presença do contentamento.

Já não precisamos pensar em jovens abrindo mão de todos seus bens (embora ainda acho isso atitude nobre), como fez São Francisco. Acredito que nesse novo tempo o bom Samaritano, além de cuidar das feridas, precisa desenvolver formas de inclusão social, pois o homem que desce de Jerusalém além de ter caído nas mãos de salteadores, também caiu nas mãos da exclusão social, dos políticos corruptos, do desemprego, do preconceito, da falta de amor e respeito como ser humano. Os tempos são outros, mas a essência é a mesma: Mais amor ao próximo que aos nossos bens. Aprender a enxergar pelo menos um palmo além da matéria.


Mano Tchelo

Um comentário:

  1. Mano Tchélo, Tchélo, mano. Parabéns pelo seu aniversário. Tô escrevendo isso aqui, por causa de Franciscos como você, que nasceram pra andar na contramão. Deus abençoe, cara! Um abração!

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