segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Salvo de quê?

"Então ele dirá: ‘Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o diabo e os seus anjos. Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram’. "Eles também responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou enfermo ou preso, e não te ajudamos? ’ "Ele responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo’.



Essas são as duras palavras de Jesus escritas no livro de mateus, capitulo 25. Em dias de consumo desenfreado e culto a vaidade, tais palavras parecem ter sido retiradas de nossas bíblias. É muita mais fácil acreditar que apenas por declararmos Jesus como nosso Senhor e Salvador, já estamos salvos, pois isso vem por graça e não por obras. Mas que graça sem graça é essa que não transforma nosso mundo? Que graça estranha é essa que não acolhe o necessitado? Que Deus estranho é esse não comprometido com a transformação do mundo em que vivemos, e apenas preocupado com a prosperidade pessoal daquele que se auto declara salvo?
Estranha é a nova vida que não é acompanhada das boas obras, pois como já disse Tiago "Mostre-me a tua fé sem obras que eu te mostro a minha fé por minhas obras". 


Foi melhor ignorar tais verdades. Foi melhor nos preocuparmos com crescimento de igrejas, teorias e teologias para nossas comunidades do que partilhar e compartilhar o pão com o próximo.


Foi melhor acreditar que por declarar que Jesus era meu Senhor e Salvador com a boca, minha alma já estava salva, embora, se presa a tanta vaidade, egoismo e prepotência, estava salva de quê? Ou melhor; Salva para quê?


Se os valores do Reino de Jesus não transformaram minha vida e minha comunidade, será que de fato Ele é meu Senhor? Se não proclamo e vivo o Reino que Ele nos trouxe, como Ele pode ser meu salvador? 


Talvez, eu ainda continue perdido, vivendo para esse reino onde o meu próprio ventre é o meu senhor, e minha consciência é agora enganada por um discurso evangélico que nada transforma, mas apenas acomoda... e logo cala, se perde, se esvai.

Tchelo

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Carta às crianças


Não tenha pressa em crescer, tenha pressa em ser criança.
"Pressa" e "crescer" são duas palavras que não combinam.
Devagar a gente cresce. Com pressa adoece.
Quanto mais o mundo corre, mais rápido ele morre.
De tanta pressa, os adultos estão morrendo mais de pressa.
No fundo, todo mundo tem uma criança beeeeeem lá no fundo. Taí um segredo! 
Ao invés de querer crescer, o melhor é deixar crescer a criança escondida lá dentro da gente.
Outro segredo: Não queira ganhar muito dinheiro e ficar rico.
Sabe com o que os adultos mais gastam dinheiro?
É tentando comprar as coisas que as crianças recebem de graça. 
Eles tentam comprar felicidade, sorriso, alegria, amor e esperança.
Mas essas coisas o dinheiro não compra. Olha só como os adultos são engraçados: 
Eles perdem a alegria e a esperança correndo atrás de dinheiro, e depois, com o dinheiro, tentam comprá-las de novo. 
Alegria é igual sua sombra. Quanto mais você corre, mais ela também corre. 
Quem é esperto percebe que a sombra sempre esteve com a gente. 
A gente é que corre dela. É igual sua nuca: Sempre está com você mas você nunca vê.
Brinque bastante. Leia um livro. Brinque mais um pouco. Brinque com seu livro. 
O seu livro fala, sabia? Ele fala dentro da sua cabeça com uma voz parecida com a sua. 
Quando sua mãe brigar com você, de um abraço nela. Ela precisa de abraços. Ela vai parar de brigar rapidinho!
Quando você brigar com a sua mãe, de um abraço em você. Você precisa de abraços. Você vai parar de brigar rapidinho.
Se a televisão parar de funcionar, veja o filme que estará passando. 
A Tv irá refletir você, e você é mais legal que qualquer programa de televisão.
Filmes legais também são as histórias dos velhinhos. 
Peça para o primeiro velhinho que encontrar te contar. 
Velhinhos sempre têm alguma história legal para você ouvir.
Não espere o adulto te ajudar a atravessar a rua. 
Segure na mão do adulto e ajude ele a atravessar.
Faça muitos amigos! Você vai descobrir que os amigos também fazem você.
Sempre presenteie seus amigos. 
Pode ser com um chiclete, uma bala, ou uma pedrinha bonita que você encontrou na rua.
Aperte as buchechas dos adultos. Eles precisam saber o quanto isso  é chato!
Pare de contar os dias para chegada do seu aniversário. 
Todo dia é o seu dia. Todo dia foi feito para você 
(mas infelizmente, nem todo dia a gente recebe presentes).
Não jogue sozinho seu vídeo game. Convide seus amigos. 
É mais legal ganhar de alguém do que ganhar do computador.
Peça para jogar com seus amigos. Jogue fora a preguiça. 
Se seu pai pedir para parar de jogar, peça para ele vir jogar com você. As vezes funciona...
Se o vídeo game te tirar companhias, jogue fora o vídeo game.
Tenta aprender com um adulto a ser responsável, mas nunca se esqueça de ensiná-lo a voltar a ser criança.
Responsabilidade e chatisse são palavras opostas que os adultos tranformaram em sinônimo.
Seja feliz! Seja você! Seja criança! 
Seja... sendo!

Tchelo

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O homem não para

Olhando o mundo como quem caminha.


Enxergando quem dizemos estar à frente do nosso tempo.


E se não houver nada? E se o progresso for retrocesso?


O que diremos ao constatar que não se caminha para frente, se caminha para trás?


O tempo corre ou somos nós quem corremos e o fazemos correr?


A vida é mansa, tranquila, ou o tempo é ímpeto?


Quem colocou rodas no tempo se não nós mesmos?


Tempo é brisa, tempo é manso, tempo é vazio.


O homem é o poder ser.


É vazio insatisfeito, acrescentado por datas, memórias, histórias.


É plano ou de muitos planos, projetos e anseios.


Insatisfação que faz o tempo correr.


O tempo não corre. O homem não consegue parar.


Olhamos à frente, talvez porquê o presente seja insuportável.


Procuramos um tempo no tempo, sem nunca ter tempo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A primeira escolha de Vitória

Não havia escolha pra ela. Vitória* contou que ao abrir os olhos, seu mundo era uma favela.
O pai era respeitado por toda quebrada, consequentemente, ela também. Espalhar balas pelo chão era sua brincadeira de neném.
Seus brinquedos eram outros. As balas não eram compradas no bar. Não poderiam ser colocadas na boca e eram pesadas para se carregar. Com apenas cinco* anos, sua mãe lhe ensinou a atirar. Suas mãozinhas pareciam tão pequenas segurando uma HK. Mal aguentava o peso, mas a brincadeira parecia divertida.
Na favela era admirada. Como filha do chefe do tráfico era respeitada por onde andava. Com dez anos, seu pai foi assassinado. Era o primeiro finado. Ainda veria muito sangue escorrer e, nas esquinas, corpos desfigurados.
Dizem que um abismo chama outro abismo. Quando tinha doze, a mãe descobriu ser portadora do temido vírus. Pouco depois, com um tiro nas costas, a mãe se torna paraplégica. É Vitória quem deve agora cuidar da casa, da mãe e da irmã, Jéssica. Dar continuidade aos negócios do pai era uma tarefa de responsa, mas Vitória foi bem treinada, e de tudo conseguia dar conta. Cinco anos mais tarde a mãe foi enterrada. Com dezessete anos, Vitória estava apaixonada. Conheceu Antonio Carlos e passou a acreditar que descobrira o significado da tal palavra “amor” que tanto ouvia falar. O amor era algo rápido e avassalador. Causava alegria mas também a dor. Era como um cometa que passa, e ela, o “Pequeno Príncipe” que o caça. Foi tão breve se comparado ao fruto que carregou nove meses em seu ventre.
De repente, Vitória foi condenada à cinco anos de detenção . Na cela fria, Vitória via com o passar dos dias a barriga crescer. Deitada em um fino colchão em meio a super lotação. Protegia sua barriga em dia de rebelião. A filha, mesmo sem ter cometido crime algum, foi condenada a viver seus primeiros dias em uma prisão. Meses depois, a filha estava em liberdade, mas a mãe não. Foi terrível!
O bebê chora a falta da mãe. A mãe chora a falta da filha. Vitória se assusta em cada saidinha com o crescimento da filha. Cinco anos se passam. Algumas permanecem firmes, outras, fracassam. Poucas horas antes de assinar sua liberdade, acha que foi injusta sua realidade. Deus também era injusto. Por que teve de passar por isso tudo? Em liberdade, diz que cuidará da filha e a ensinará o caminho que não deve seguir. Não poderá dizer qual o caminho que é certo, pois esse, Vitória nunca conheceu de perto. Em liberdade, dará o amor e o carinho que nunca teve. Em liberdade, irá descobrir o que é a liberdade que ainda não compreende. Sente que está confundida com sua criança. Vai aprender a viver, e ter esperança. Vitória se despediu dizendo: “Agora irei a todo custo guiar minha vida, tá entendendo? Essa talvez seja a primeira escolha que de fato foi eu mesma quem escolhi. Me batizaram Vitória, hoje, a Vitória está aqui!”


Tchelo

Texto escrito a partir da minha experiência como estagiário-terapeuta em uma unidade prisional feminina.

*As idades e os nomes foram alterados para preservar a identidade das pessoas envolvidas.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Minha busca

Minha busca era eterna. Eu era pura solidão em busca de companhia. Esperava afeto, compreensão. Buscava alguém com quem compartilharia meus dias e preencheria algo que em mim faltava. Era um grande vazio! Só queria amor e aceitação. 
Nessa busca, encontrei muita coisa. No primeiro olhar, tudo parecia ser preenchido. No segundo, o vazio se tornava maior do que antes. Logo, minha busca continuava. Quanto mais sofria, mais fazia sofrer.
Finalmente encontrei! Rodei o mundo procurando o que esteve sempre aqui. Busquei ouvir no barulho a voz que me falava no silêncio. O amor e aceitação que eu buscava, nunca seria encontrado fora, pois sua falta vinha de dentro. Eu precisava aprender a amar e aceitar! Transferia a outros a culpa que era minha. Foi no silêncio que ouvi: Você é aceito e amado como é. Não existe nada que possa fazer para que Eu te ame mais. Dessa forma, pude entender que só compartilho aquilo que possuo. Estou aprendendo a amar, pois sou amado!
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