segunda-feira, 20 de junho de 2011

A primeira escolha de Vitória

Não havia escolha pra ela. Vitória* contou que ao abrir os olhos, seu mundo era uma favela.
O pai era respeitado por toda quebrada, consequentemente, ela também. Espalhar balas pelo chão era sua brincadeira de neném.
Seus brinquedos eram outros. As balas não eram compradas no bar. Não poderiam ser colocadas na boca e eram pesadas para se carregar. Com apenas cinco* anos, sua mãe lhe ensinou a atirar. Suas mãozinhas pareciam tão pequenas segurando uma HK. Mal aguentava o peso, mas a brincadeira parecia divertida.
Na favela era admirada. Como filha do chefe do tráfico era respeitada por onde andava. Com dez anos, seu pai foi assassinado. Era o primeiro finado. Ainda veria muito sangue escorrer e, nas esquinas, corpos desfigurados.
Dizem que um abismo chama outro abismo. Quando tinha doze, a mãe descobriu ser portadora do temido vírus. Pouco depois, com um tiro nas costas, a mãe se torna paraplégica. É Vitória quem deve agora cuidar da casa, da mãe e da irmã, Jéssica. Dar continuidade aos negócios do pai era uma tarefa de responsa, mas Vitória foi bem treinada, e de tudo conseguia dar conta. Cinco anos mais tarde a mãe foi enterrada. Com dezessete anos, Vitória estava apaixonada. Conheceu Antonio Carlos e passou a acreditar que descobrira o significado da tal palavra “amor” que tanto ouvia falar. O amor era algo rápido e avassalador. Causava alegria mas também a dor. Era como um cometa que passa, e ela, o “Pequeno Príncipe” que o caça. Foi tão breve se comparado ao fruto que carregou nove meses em seu ventre.
De repente, Vitória foi condenada à cinco anos de detenção . Na cela fria, Vitória via com o passar dos dias a barriga crescer. Deitada em um fino colchão em meio a super lotação. Protegia sua barriga em dia de rebelião. A filha, mesmo sem ter cometido crime algum, foi condenada a viver seus primeiros dias em uma prisão. Meses depois, a filha estava em liberdade, mas a mãe não. Foi terrível!
O bebê chora a falta da mãe. A mãe chora a falta da filha. Vitória se assusta em cada saidinha com o crescimento da filha. Cinco anos se passam. Algumas permanecem firmes, outras, fracassam. Poucas horas antes de assinar sua liberdade, acha que foi injusta sua realidade. Deus também era injusto. Por que teve de passar por isso tudo? Em liberdade, diz que cuidará da filha e a ensinará o caminho que não deve seguir. Não poderá dizer qual o caminho que é certo, pois esse, Vitória nunca conheceu de perto. Em liberdade, dará o amor e o carinho que nunca teve. Em liberdade, irá descobrir o que é a liberdade que ainda não compreende. Sente que está confundida com sua criança. Vai aprender a viver, e ter esperança. Vitória se despediu dizendo: “Agora irei a todo custo guiar minha vida, tá entendendo? Essa talvez seja a primeira escolha que de fato foi eu mesma quem escolhi. Me batizaram Vitória, hoje, a Vitória está aqui!”


Tchelo

Texto escrito a partir da minha experiência como estagiário-terapeuta em uma unidade prisional feminina.

*As idades e os nomes foram alterados para preservar a identidade das pessoas envolvidas.

Um comentário:

  1. Infelismente para poder nos encontrar temos que nos perder
    e com certeza o caminho de Vitória será só de vitorias!, pois algum dia alguem se perdeu para ela hj encontrar o caminho certo, belo texto Marcelo, faz refletir.
    abçs

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